BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
BPO - Batista Pereira & Oliveira

Em entrevista ao NeoFeed, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, conta quais as perspectivas para o problema da falta de semicondutores no Brasil e comenta sobre os planos de discutir com o governo uma agenda de descarbonização.

Quando o coronavírus ainda era um problema distante do Brasil, limitado a um surto na China, a única preocupação das montadoras aqui instaladas era se teriam dificuldades para importar peças de lá. Em um primeiro momento, não parecia muito grave. Para as empresas, os insumos até poderiam demorar um pouco mais para chegar, mas os estoques dariam conta e a produção não seria tão afetada.

O que parecia ser uma dor de poucos meses, porém, se transformou em uma instável e interminável jornada. A pandemia chegou ao Brasil e as fábricas foram paralisadas. Aos poucos, foram retomando a produção e a demanda foi crescendo, mas a falta de peças voltou a bater na porta, dessa vez com mais força.

Desde o início do ano, está faltando semicondutor, um material usado para mecanismos eletrônicos dos veículos e cuja produção foi direcionada para indústrias de tecnologia mais demandadas durante a pandemia. Luz no fim do túnel? Aqui no Brasil, pelo menos, a indústria automobilística não enxerga.

“Em 2021, vamos ter emoção até o fim do ano”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, ao NeoFeed. “E há indicações de que pode ainda impactar o primeiro semestre do ano que vem”, diz o executivo, que representa um setor que equivale a 18% do PIB da indústria de transformação e 3% da economia nacional.

De janeiro a julho, as montadoras produziram 1,31 milhão de veículos no País, 45,8% a mais do que o mesmo período do ano passado, uma variação que se explica pelo fato de as fábricas terem ficado paradas na maior parte do segundo trimestre de 2020.

Se não fosse pela crise de semicondutores em 2021, o crescimento seria maior. A Anfavea estima que entre 100 mil e 120 mil veículos deixaram de ser produzidos no primeiro semestre, em razão da falta de peças.

Para o ano todo, por enquanto, a previsão é de que a produção chegue a 2,45 milhões de unidades, avanço de 22% em relação a 2020, mas ainda abaixo do nível de 2019, quando as montadoras produziram 2,9 milhões. Naquele ano, o faturamento do setor no Brasil chegou a US$ 59 bilhões.

Enquanto os problemas mais urgentes não se resolvem, a Anfavea também não tira o olho do longo prazo. A principal pauta é a descarbonização dos veículos. Se a Europa e os Estados Unidos correm com velocidade em direção a um mercado eletrificado, o Brasil caminha em marcha lenta.

Em 2020, a venda de carros com alguma eletrificação representou apenas 0,4% do mercado brasileiro, com 11,8 mil unidades vendidas. Não significa, porém, que não haja uma pressão do consumidor por mais carros eletrificados. “Tem frotista que está exigindo. Transportadoras que, para ganhar o contrato do embarcador, teriam de ter na sua frota veículos alinhados aos princípios ESG”, conta o presidente da Anfavea.

A ideia do setor é seguir o roteiro de outros países e conversar com o governo para definir uma agenda. Para isso, a Anfavea passou os últimos 12 meses dedicada a elaborar um estudo sobre o tema. “Temos elementos para conversar com o governo para definir um objetivo de país, para decidir o que queremos”, diz o executivo, que afirma que uma das ferramentas passa pelo sistema tributário.

Na entrevista a seguir, ele também falou sobre temas como a demanda por carros no Brasil, os problemas causados pela instabilidade política, reforma tributária e o cenário para os juros. Acompanhe:

O setor já vê uma luz no fim do túnel para o problema da falta de semicondutores?
No curto prazo, não estamos vendo. Em 2021, vamos ter emoção até o fim do ano. Quem compra os semicondutores não somos nós, mas sim nossos fornecedores. Pelo que falamos com eles, especialistas e consultorias que acompanham o tema, percebemos que o aumento da capacidade de produção de semicondutores não é possível de se fazer de um mês para o outro. É um setor que necessita de investimento muito alto. Entre decidir e colocar uma fábrica de semicondutores para funcionar, demora de dois a quatro anos. Portanto, vamos lidar com esse problema este ano e há indicações de que pode ainda impactar o primeiro semestre do ano que vem.

Quais são as estimativas de impacto?
Tem um estudo da consultoria BCG que indica que a indústria global deixou de produzir 3,6 milhões de veículos no primeiro semestre e, para o ano todo, há uma simulação de que a indústria pode perder entre 5 milhões e 7 milhões de veículos. Como os carros são muito modernos, o semicondutor é usado em diversos sistemas, para gerenciamento do motor, do câmbio, efeito de controle de poluentes, para eficiência energética, para sistemas de segurança veicular, para conectividade. Dependendo do modelo, de 500 a mil semicondutores são utilizados.

E o impacto no Brasil?
Aqui, todas as fábricas estão parando. Algumas por semanas. Houve uma específica que parou por meses (a unidade da GM em Gravataí, no Rio Grande do Sul). Mas é muito difícil estimar o Brasil. A partir da projeção da BCG, calculamos que, no primeiro semestre, devemos ter perdido entre 100 mil e 120 mil veículos na produção. Mas prever o segundo semestre está mais difícil. Cada dia é uma surpresa adicional. Agora tivemos uma fábrica de semicondutores na Ásia que parou por causa de funcionários contaminados pela covid-19. Tivemos também um incêndio em uma fábrica no Japão e falta de água em uma em Taiwan. Além do impacto da pandemia na economia global, tem esses casos pontuais.

“Aqui, todas as fábricas estão parando. Algumas por semanas. Houve uma específica que parou por meses (a unidade da GM em Gravataí, no Rio Grande do Sul)”

Apesar desse problema, tem havido demanda crescente pelos veículos em meio à reabertura da economia?
Os clientes estão querendo e há lançamentos de produtos que chamam a atenção do consumidor. Fizemos uma pesquisa junto com a WebMotors que indica interesse em renovação. Mas estamos limitados à oferta. Há filas de espera que chegam a dois meses ou três meses, a depender do modelo e do segmento. É muito difícil também estimar qual seria o tamanho do mercado se não fosse o problema de oferta. Existe uma limitação econômica também. Há um grupo grande de desempregados, de desalentados, com mais de 20 milhões sem renda.

O problema de oferta obrigou as montadoras a escolher quais modelos seriam preferencialmente produzidos?
Não é tão simples assim mudar o mix de produtos. Os semicondutores são tão específicos que não dá para tirar de um carro e jogar no outro. Existe, sim, possibilidade, mas não é que nem chip de celular, que você tira de um celular e coloca em outro. Eles são desenvolvidos para funções específicas dentro de um produto. Então, não houve uma mudança significativa no mix de produtos. Pode ter acontecido o seguinte: para um modelo em especial, não faltou tanto semicondutor como para outro, daí um segmento vai crescer mais que outro. Ou uma montadora específica tinha um estoque maior quando começou a crise e isso influenciou na oferta.

As locadoras, que previam comprar 800 mil carros em 2021, estimam que, pela falta de produção, vão acabar comprando só a metade. É uma previsão que faz sentido?
Faz sentido, sim. Eles têm uma frota circulante de um pouco mais de 1 milhão de veículos, com renovação constante. A última estimativa que vi é que pode ser até abaixo de 400 mil no final do ano. Isso vai aumentar a idade média da frota deles.

As vendas das montadoras para as locadoras costumam ter uma margem menor. As montadoras estão priorizando o consumidor final, com margem maior?
É estratégia de cada montadora. As empresas, naturalmente, vão buscar eficiência, porque estão com volumes baixos. Mas todos os clientes estão sendo afetados. Afeta o consumidor local, afeta a venda ao frotista e afeta a disponibilização para o mercado externo.

O mercado externo não está mais sendo a válvula de escape?
Já voltou a cair. Estávamos rodando a 35 mil na média (de unidades exportadas ao mês) e caiu a 24 mil em julho. Não porque os países fecharam de novo, mas por falta de produção mesmo.

“Estávamos rodando a 35 mil na média (de unidades exportadas ao mês) e caiu a 24 mil em julho”

E o que a Anfavea vislumbra para o setor no segundo semestre?
Fizemos uma previsão no começo do ano e fomos conservadores (para venda de 2,36 milhões de veículos, alta de 15% em relação a 2020). Alguns até acharam que a gente estava sendo muito pessimista. Vimos o final do ano passado e sentimos o cheiro de falta de componentes. Estava faltando borracha, pneus, e já havia uma indicação de falta de semicondutor. Sabíamos que haveria problema, mas não nessa dimensão. Então, fizemos uma revisão, calibrando o número um pouco mais para baixo (para 2,32 milhões, alta de 13%). Melhoramos a previsão de comerciais leves, que prevíamos que iria crescer, mas está indo melhor. Aumentamos para caminhões também e diminuímos para automóveis. Mas tudo isso depende do quão crítica será a questão do semicondutor. Se for mais crítico do que estamos vendo, vamos ter de revisar de novo.

Os fabricantes de caminhões e de veículos comerciais leves estão sofrendo menos com a falta de semicondutores?
Sim, porque os volumes são menores. Para o mercado de caminhões, por exemplo, você tem de conseguir semicondutores para 120 mil unidades. No caso de automóveis, tem de buscar para 2 milhões. É menos por uma questão de tecnologia necessária, porque os caminhões são muito tecnológicos também, e, sim, por volume. Mas as montadoras de caminhões estão apanhando também. Elas não estão fazendo grandes paradas, só algumas micro paradas. Daí volta, compensa com hora extra, jornada adicional, e isso gera mais custo.

Os juros estão subindo novamente. Isso já afeta o financiamento de veículos?
Os economistas falam que o PIB pode crescer 5% em 2021, depois de um tombo de 4,1%. É um bom sinal. A vacinação está andando. Podia ser mais rápido, mas está andando. Podemos ter a população adulta com a primeira dose talvez até setembro ou outubro. O agronegócio está rodando bem, gerando renda e exportação, a balança comercial está bem também. São os grandes dados gerais com alguma indicação positiva. Mas nós seguimos preocupados com o nível de emprego. São 20 milhões sem renda. É um Chile sem renda. E há a preocupação com a inflação, porque IGP-M bate 30% e isso afeta o nosso custo na veia. O aço está subindo, em média, 80%. O IPCA, mais de 8%. E a taxa de juros aumenta. A linha de financiamento do CDC (Crédito Direto ao Consumidor) pode chegar a 25%, que é o principal mecanismo de financiamento no Brasil. Vemos com certa preocupação, além da variante Delta.

“Seguimos preocupados com o nível de emprego. São 20 milhões sem renda. É um Chile sem renda”

Mas os bancos estão dispostos a conceder crédito?
Os bancos, sim. A taxa de inadimplência está sob controle. Eles estão dispostos a financiar, mas o custo de financiamento vai aumentar. Sem falar nos riscos de qualquer instabilidade lá em Brasília, que sempre está no radar.

A instabilidade em Brasília tem afetado os negócios?
Nosso setor investe em ciclos. Temos ciclos de 5 anos, 6 anos, 7 anos, para trazer novos investimentos ao Brasil e criar novos portfólios de produtos. Temos o desafio da eletrificação ou da descarbonização, uma vez que tem gente que vai usar gás ou vai apostar no etanol. Quando você vai discutir com a matriz da montadora, tem de apresentar primeiro o cenário político, institucional e econômico, para justificar porque você sugere fazer determinada aplicação de valores. Na hora de explicar não é tão simples.

Lá em Brasília, estão discutindo a reforma tributária. Qual a avaliação do setor?
Para qual das reformas? Todo dia tem uma. Nem consigo mais acompanhar. Mas entendemos que a redução do imposto de renda para pessoa jurídica faz sentido. E ter tributação sobre dividendos, como outros países, também funciona. A calibragem é que precisa acertar, porque a cada dia tem um número na mesa. Para o setor automotivo, e vale para outros também, a questão é que, quando você tem prejuízo e volta a ter lucro nos períodos seguintes, há um limitador de 30% para compensar o prejuízo do exercício anterior. Aí você paga imposto tendo prejuízo que poderia ser compensado. Nós sugerimos mexer nisso, mas não sabemos se será considerado. Mas tem de haver uma reforma ampla, com IVA dual e sem aumento da carga.

“Todo dia tem uma (reforma tributária). Nem consigo mais acompanhar. Mas entendemos que a redução do imposto de renda para pessoa jurídica faz sentido”

A Europa e os EUA avançam com mais velocidade na questão da eletrificação dos veículos. Em que pé está o Brasil?
Nós analisamos isso nos últimos 12 meses. Fizemos debates internos. Ouvimos a Única (da indústria de cana-de-açúcar), a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a Petrobras, a turma do biodiesel, e fizemos uma imersão em cima desse tema. Contratamos a BCG para estruturar a análise. E, ao usar os dados deles, trouxemos o que os EUA estão fazendo, Europa, China, para inspirar o que pode ser feito aqui. Nós desenhamos três cenários. Um que chamamos de inercial, que é ir mais ou menos nesse ritmo que estamos. O segundo é um cenário de convergência global para se aproximar dos outros países. O terceiro consiste em usar mais os biocombustíveis em cima do cenário inercial. Avaliamos sob todos os ângulos, desde a infraestrutura necessária, como pontos de recarga, até impacto de emissões de CO² em todos os cenários.

E quais as projeções?
No cenário inercial, olhamos para 2035 e estimamos 1,3 milhão de veículos novos (de um mercado total de 4,1 milhões), naquele ano, com algum grau de eletrificação, que pode ser híbrido, plug-in ou puro elétrico. No de convergência global, mais agressivo, podemos ter 2,5 milhões. Com isso, temos elementos para conversar com o governo para definir um objetivo de país, para decidir o que queremos.

E qual o esforço necessário para chegar ao cenário mais agressivo?
Continuar do jeito que está já indica uma eletrificação importante. E, para que isso seja possível, a indústria terá de fazer investimentos. O (ambiente) regulatório também provoca essa necessidade de alguma eletrificação. Para reduzir os poluentes daqui para frente, seguindo o que a Europa adota, você terá de eletrificar uma parte da sua frota. Os clientes também estão com o desejo e a necessidade de atender políticas ESG, para querer comprar produtos mais verdes. Isso já estamos observando no Brasil. Tem frotista que está exigindo. Transportadoras que, para ganhar o contrato do embarcador, teriam de ter na sua frota veículos alinhados ao ESG. A sociedade caminha nessa direção. Agora a velocidade é muito difícil precisar. Por isso fizemos os diferentes cenários.

O Rota 2030, que definiu uma política de longo prazo para a eficiência energética, não dá conta?
Não é só o Rota 2030, que é uma política do Ministério da Economia. O Meio Ambiente é que define normas para o meio ambiente. Para a infraestrutura, quem define é o Ministério da Infraestrutura. A provocação da Anfavea é ter políticas que se conversem. O Brasil não tem isso claro. O objetivo é que a gente tenha política de país. Os ministérios querem fazer o melhor, mas às vezes podem atrapalhar porque as ações não são coordenadas.

As conversas ainda não começaram?
Não. A gente já sinalizou que estava fazendo esse estudo. Essa é a grande contribuição da Anfavea.

A Anfavea vai pedir um Rota 2030 para a eletrificação?
Não diria isso. Mas cada um dos países que estão no nosso estudo têm um objetivo. Definido o objetivo do país, as políticas e o regulatório estarão alinhadas. Nós não temos objetivo claro.

Esses objetivos e políticas passariam por questões tributárias?
Também. Isso são ferramentas. Nosso estudo mostra que o objetivo principal da Europa é a descarbonização. Na China, é descarbonização com desenvolvimento tecnológico. Na Índia, é segurança energética, é plataforma de exportação, além da descarbonização. O Brasil tem grandes ativos, de energia limpa. Temos restrição agora por causa da crise hídrica, mas temos vantagens em relação a esses países. Temos uma indústria de biocombustíveis que pode ajudar a fazer uma transição enquanto não tem eletrificação. Temos de eliminar os obstáculos, como os de infraestrutura e ter um sistema tributário que não penalize a descarbonização.

No cenário agressivo, o Brasil chegaria ao nível europeu?
Ainda estaria abaixo. Não vamos alcançar a velocidade da Europa. Se eles fizerem o que estão propondo, que será submetido ao parlamento europeu, em 2035, teriam 100% dos veículos novos elétricos.

Compartilhe

Receba nossa Newsletter

Outras Notícias