BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
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A lei complementar nº 157/2016 e o critério espacial - Tomo II

 

O critério espacial, a regularização normativa pelos Municípios e a Lei Complementar 157/2016

Em artigo anterior noticiamos que a Lei Complementar nº 157, publicada em dezembro de 2016, provocou uma grande alteração legislativa  acrescentando mais incisos ao art. 3º da LC nº 116/03 (modificado pela LC nº 157/16).

O ponto nodal desta alteração foi a modificação do local do recolhimento do imposto para determinadas atividades¹, passando o mesmo a ser devido no domicílio do tomador dos serviços quando originalmente era devido no local do estabelecimento prestador.

Deste modo, a inclusão desses incisos, antes inexistentes, alteraram o critério espacial da hipótese de incidência deste imposto, principalmente no que atina a prestação dos serviços acima descritos.

Pois, conforme visto em artigo anterior, Câmara e Senado, em sessão conjunta, decidiram pela derrubada do veto presidencial, de forma a prevalecer o texto originalmente aprovado pelo Congresso Nacional. Logo, o art. 3º da LC n. 116/2003, ficou definido pela inclusão de incisos anteriormente não previstos².

De todo modo, para compreensão integral sobre a importância da medida liminar concedida na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 5.835 e sua co-relação com a mudança do critério espacial do ISS, faz-se importante esclarecer previamente: (i) a questão da competência tributária; (ii) a previsão da hipótese de incidência de aludido imposto na Constituição; (iii) a função da Lei Complementar e a relação desta com a Lei Orgânica dos Municípios.

No primeiro aspecto constitucional, o legislador originário, através do art. 156, III, CF³, atribuiu ao Município a competência tributária para  instituir o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).

Portanto, ao Município coube a tributação das prestações onerosas de serviços de qualquer natureza, sendo estes diversos das de transporte transmunicipal e de comunicação, os quais  são tributáveis por meio de ICMS.

Assim, estabeleceu-se constitucionalmente o núcleo do fato eleito como suporte material da hipótese de incidência do ISS: “a prestação de serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, CF“.

Com a delimitação do conceito geral de prestação de serviço dado pela Constituição Federal, a doutrina passou a pormenorizar a sua definição, o qual SOUZA et alias, bem esclarecem: ” (…) Nos termos da Constituição, a hipótese de incidência do ISS, só pode ser a prestação de terceiro, de uma atividade, física ou intelectual, com conteúdo econômico, sob regime de Direito Privado, desde que não trabalhista, tendente a produzir uma utilidade para o fruidor⁴.”

Ainda pela necessidade de estruturação do arquétipo,  por meio de Lei Complementar – limitadora da atuação de cada Município no que rege à instituição, fiscalização e cobrança de ISS, à luz do disposto no art. 146, inciso III, da CF⁵ ficou a cargo de lei complementar editar normas gerais tributárias.

Assim, a Lei Complementar nº 116/03, com o propósito de cumprir o seu mister constitucional, reproduziu o arquétipo constitucional do ISS ao estabelecer tanto a veiculação de normas que buscam prevenir conflitos de competência, como os respectivos fatos geradores.

Por fato gerador, o inigualável mestre GERALDO ATALIBA esclarece não poder reduzi-lo como mero sinônimo de critério material, devendo ser compreendido também como a descrição abstrata dos elementos necessários ao surgimento do liame jurídico tributário o que, como tal, demanda a abrangência de todos os critérios da hipótese tributária: material, temporal e espacial⁶.

Assim, a Lei Complementar em questão buscou esclarecer a fixação de critérios da regra-matriz de incidência do ISS, dando segurança jurídica e prevenindo conflitos de competência.

Sobre este último, o legislador anteriormente já havia delimitado o seu alcance, principalmente na relação Município e Estado (ISS conflitando com ICMS), como entre os próprios Municípios (ISS conflitando com ISS).

Todavia, com a recente modificação do critério espacial pela LC. nº 157/16, gerou-se um efeito contrário à vontade do legislador – esvaindo a segurança jurídica e fomentando os embates quanto a competência tributária, isto em decorrência das grandes complexidades práticas provocadas pela alteração:

(i) Seja pela necessidade de regulamentação por todos os Municípios;

(ii) Seja pela ocorrência de mais de um Município se intitular competente para a cobrança do mesmo tributo, configurando-se em face dos prestadores de serviços a bitributação;

(iii) Seja por trazer empecilhos a própria arrecadação do tributo, não justificando o meio utilizado para chegar a sua finalidade, ferindo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Para compreender melhor essa complexidade arrecadatória,  tem-se a inconstitucionalidade da cobrança de ISS sem a exigência de previsão em legislação municipal das alterações advindas da LC nº 157/16, pois é de  competência exclusiva dos Municípios.

Veja-se: a Lei Orgânica Municipal precisa adaptar-se as mudanças provocadas pela alteração do critério espacial, inclusive prevendo expressamente os novos incisos do artigo 3º, LC nº 116/03, modificados pelo artigo 1º da LC nº 157/16, sob pena de não estar permitida a arrecadação (pela ausência de previsão legal da hipótese arrecadatória naquele local).

Lei Complementar, norma geral e uniformizadora, jamais substituirá a necessidade obrigatória  de previsão normativa pelos Municípios. Conquanto, se fosse possível a cobrança de imposto sobre serviços somente com a previsão da LC nº 116/03 (alterada pela LC nº 157/16) perderia funcionalidade a Lei Orgânica Municipal.

Todavia, por serem mais de 5.000 municípios existentes no país, cujas normas se mostraram divergentes e até mesmo antagônicas no que toca a definição do “tomador de serviço”, espalhou-se pelo país a mais plena sensação de insegurança jurídica.

A importância da segurança jurídica, no observar de Celso Antônio Bandeira de Mello, reflete a orientação, autorização, estabilidade e certeza da vida social:

 

“(…) É sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro de todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles⁷”. 

 

Ainda, sobre a relação do princípio da segurança jurídica e as alterações legislativas, este mesmo jurista descreve sobre a importância das modificações provocarem o mínimo de transtorno possível nas relações, senão vejamos:

 

“O Direito conquanto seja, como tudo o mais, uma constante mutação, para ajustar-se a novas realidades e para melhor satisfazer interesses públicos, manifesta e sempre manifestou, em épocas de normalidade, um compreensível empenho em efetuar suas inovações causando o menor trauma possível, a menor comoção, às relações jurídicas passadas que se perlongaram no tempo ou que dependem da superveniência de eventos futuros previstos⁸.”

 

Já nas palavras de Francielli Honorato Alves, deve-se observar o princípio da segurança jurídica quanto ao cumprimento das obrigações acessórias. Pois, apesar de não ser exigível a anterioridade anual e nonagesimal, para se tornar exigível a cobrança dos deveres tributários acessórios, deve-se levar em consideração o tempo de adaptação do contribuinte as novas exigências.

“É necessário lembrar, ainda, que o princípio da segurança jurídica deve ser observado não apenas na criação de obrigações tributárias principais, mas também na imposição de deveres instrumentais aos sujeitos relacionados à ocorrência do fato jurídico tributário. Ainda que, nesse caso, não seja possível exigir que a eficácia dessas novas leis tenha início apenas a partir do primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que essa lei foi publicada e após 90 dias da data dessa publicação, já que não se trata da criação de novo tributo ou de aumento de tributo já existente, é obrigatório que esses municípios prevejam expressamente um período de tempo minimamente razoável que deve transcorrer entre a publicação da lei municipal que prescrever essas novas obrigações e a data de início de exigência do seu cumprimento.⁹” (grifamos)

 

Com isso, deve-se admitir que há grande complexidade em torno do recolhimento do ISS, em virtude dos inúmeros domicílios tributários que podem ser eleitos pelos Municípios, de forma a exigir força hercúlea das empresas prestadoras desses serviços a ser empregada na realização do cumprimento de suas obrigações tributárias, além da busca em saber onde será devido o pagamento da obrigação.

Claramente há ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pois houve a impossibilidade de cumprimento das obrigações tributárias, tanto pelos tomadores quanto pelos prestadores destes serviços.

Bem por isso, em 24 de março de 2018, foi deferida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.835, pelo Ministro Relator Alexandre de Morais, para suspender aplicação do art. 1º da Lei Complementar nº 157/2016 (o qual modificou o art. 3º, LC 116/03), até o julgamento definitivo da presente ação.

Dentre os argumentos, o Ex.Ministro entendeu que a alteração legislativa não trouxe subsídios suficientes para que houvesse o esclarecimento conjunto, entre os Municípios,  sobre o conceito de “tomador de serviços”, dando-se origem a uma lacuna normativa. Por conseguinte, resultou em serias dificuldades na aplicação ao caso concreto.

Tanto, que  a Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF e  a Confederação Nacional das Empresas  de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNSEG, requerentes da liminar em ADI nº 5835, arguiram a existência de tratamento tributário divergente na edição de atos normativos municipais relativos ao tema.

Ademais, arguiu o e. julgador que os Municípios da Federação também estão estabelecendo padrões particulares para o cumprimento das obrigações acessórias e de normas sobre a responsabilidade pelo recolhimento do tributo. E, apesar da Confederação Nacional do Municípios (CNM) ter se manifestado sobre a realização da futura apresentação de emenda ao projeto de lei para definir quem são os tomadores de serviços nesses casos, ela ainda não existe.

Deste modo, a indeterminação normativa da LC nº 157/2016 provocou uma insegurança jurídica de tal monta que, na visão do Ministro, causaram abalo nos princípio constitucionais: “as unidades federadas estão gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica, com consequente desrespeito à própria razão de existência do art. 146 da Constituição Federal“¹⁰.

Nesses termos, o Ministro concedeu a liminar para suspender tanto a eficácia do artigo 1º da Lei Complementar 157/2016, na parte que modificou o art. 3º, XXIII, XXIV e XXV, e os parágrafos 3º e 4º do art. 6º da Lei Complementar 116/2003; como, por arrastamento, a suspensão da eficácia de toda legislação local editada para sua direta complementação.

Assim, ao leitor que se questiona, após este arrazoado, onde seria o recolhimento do ISS dos serviços por ele prestados (enquadráveis  nos incisos do art.3º da LC 116/03, então alterados pela LC 157/16),  conclui-se pelo dever de fazê-lo no estabelecimento do prestador, pelo menos até que sobrevenha decisão definitiva na ADI nº 5835, a qual estaremos acompanhando de perto.

 

Carla Beux¹¹ e Lummy Masaki¹²


[1]Serviços de planos de saúde; de administração de fundos de investimento; de administração de consórcios; de administração de cartão de crédito e de arrendamento mercantil

[2]Art. 3o  O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local

[3]Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

[4] SOUZA, et al. Direito Tributário: estudos avançados em homenagem a Edvaldo brito. São Paulo: Atlas, 2014.

[5] Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

  1. a)definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

[6] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5 ed. São Paulo: Melheiros, 1992. P.49.

[7] Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros.2001.p 93

[8] Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros.2001.p 93

[9] ALVES, Francielli Honorato. Adequação à lei do ISS ainda deve obedecer anterioridade tributária. Consultor Jurídico. 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jul-27/opiniao-adequacao-lei-iss-ainda-obedecer-anterioridade-tributaria.> Acesso em: 15.08.2017.

[10]  STF – ADI nº 5835MC/DF, Ministro Relator Alexandre de Moraes, Decisão de medica cautelar em 23/03/2018, publicado no DJE nº 63, divulgado em 03/04/2018. p.5.

[11]Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-graduada em Direito Tributário pela PUC-PR, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Ocupou cargo jurídico em Companhias Multinacionais, foi professora da disciplina de direito tributário da PUC-PR e dos Cursos de Pós Graduação da UniCuritiba, da  Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Escola de Administração da Puc-Pr. Cursou MBA de Gestão Empresarial  no ISAE-FGV. Coordena o Departamento de Gestão e Planejamento Estratégico do escritório  Batista Pereira & Oliveira Advogados Associados.

[12] Bacharel em Direito Pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Assistente Jurídico do Departamento de Tributário e Aduaneiro do escritório Batista Pereira & Oliveira Advogados Associados.

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