BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
BPO - Batista Pereira & Oliveira
Leis automotivas são colchas de retalhos

Por Marli Olmos | De São Paulo

A indústria automobilística sempre foi conhecida por seu intenso trabalho de lobby por incentivos fiscais. Em todo o mundo, benefícios tributários definem a localização de fábricas e projetos de novos veículos. Quase sempre, os investimentos são definidos, em grande parte, ao sabor de quanto os fabricantes conseguem tirar dos cofres públicos. Nos Estados Unidos, a guerra comercial que Donald Trump trava com seu plano de impor taxas para carros importados provocou uma forte reação de montadoras, que ameaçam deslocar a produção de suas fábricas nos Estados Unidos caso a importação de seus veículos feitos na Europa fique mais cara.

No Brasil, incentivos fiscais para o setor sempre pautaram decisões de governo. Na elaboração do último programa, no entanto, não foi tão fácil para as montadoras exercer seu poder de convencimento. Encontraram um governo que patina para tentar ajustar as contas públicas. Por isso, nos diálogos com essa indústria, desta vez o Ministério da Fazenda bateu o pé com firmeza para evitar uma ampliação da renúncia fiscal.

Quando o novo programa, chamado Rota 2030, foi anunciado pelo presidente Michel Temer, no início do mês, parecia que o desfecho das longas e polêmicas discussões favorecera os argumentos da equipe da Fazenda. Apesar de manter redução de impostos a empresas que comprovarem investimento em pesquisa e desenvolvimento de produtos no país, como ocorreu no programa anterior, o Inovar-Auto, o benefício restringiu os canais para resgate dos créditos tributários.

Em Pernambuco, Temer se comprometeu a prorrogar o programa

Na semana passada, no entanto, a Medida Provisória que estabelece as regras do programa recebeu nada menos do que 81 sugestões de emendas. A que mais chama atenção volta a tocar na questão de incentivos fiscais. De autoria do senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-ministro da Indústria, a proposta prorroga até 2025 o prazo de validade do Regime Automotivo do Desenvolvimento Regional, voltado exclusivamente às fábricas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Em entrevista ao Valor, Monteiro argumentou que as montadoras que escolheram investir nessas regiões só o fizeram por conta dos incentivos. Assim, depois da MP que regulamenta o Rota 2030, uma nova batalha por incentivo está armada e, do lado do Legislativo, Monteiro garante ter pelo menos cem deputados e senadores do Nordeste alinhados à proposta.

Depois de décadas concentrada no Sudeste, a produção de veículos começou a explorar novos ares. O processo começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a criação do chamado regime automotivo, que inicialmente envolvia todo o país e que, inclusive, provocou uma polêmica guerra fiscal entre Estados.

Nessa etapa, General Motors e Volkswagen construíram novas fábricas em Gravataí (RS) e São José dos Pinhais (PR), respectivamente. O pacote de incentivos começou, então, a atrair empresas que não atuavam no Brasil, como a Renault, que foi para o Paraná, e a PSA Peugeot Citröen, que escolheu o Rio de Janeiro. O interior de São Paulo também ganhou novos investimentos, como a Hyundai, em Piracicaba, Toyota em Indaiatuba e, depois, Sorocaba, e a Honda, em Sumaré. Em seguida, foi criado um regime automotivo específico para Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Não restam dúvidas sobre os benefícios que a descentralização das fábricas de uma indústria que responde por cerca de 22% do PIB industrial traz às economias regionais. Sobretudo em termos de emprego qualificado. A maneira como essas medidas são tomadas, no entanto, mostra como várias ações do Legislativo e Executivo no Brasil costumam, muitas vezes, ficar muito mais parecidas a uma colcha de retalhos do que ao planejamento estratégico de uma questão séria, como deveriam ser as políticas industriais.

A história da indústria automobilística no Brasil revela que medidas como essa sempre ganham sobrevida cada vez que surge um novo interessado nelas ou quando se aproxima a data de expiração. Isso aconteceu várias vezes na tributação dos veículos. Anos atrás, com jeitinho, a Fiat conseguiu incluir seu motor 1.0 no decreto por meio do qual o então presidente Itamar Franco, concedeu incentivos à Volkswagen para retomar a produção do Fusca. Como “vingança”, a Volks negociou com o governo a inclusão da Kombi na mesma lei. E assim nasceu o carro popular.

Em vigor desde 1996, o regime voltado ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste foi estabelecido por diferentes leis, que foram modificadas de acordo com a ocasião. Com abatimento de IPI como principal atrativo, o programa ganhou fôlego quando a Ford decidiu construir uma fábrica em Camaçari (BA). Em 2007, também a Ford comprou uma fábrica de veículos utilitários nacional, a Troller, em Horizonte, no Ceará. Com a aquisição, a montadora conseguiu estender alguns benefícios que obteve com o investimento no Ceará para a fábrica baiana.

O programa terminaria em 2010. Mas foi estendido até 2020 quando a Fiat Chrysler anunciou o plano de produzir veículos em Pernambuco. A legislação foi ajustada. Em versões anteriores, determinava que os benefícios fiscais só poderiam ser usufruídos se a empresa comprasse outra fabricante de veículos, como aconteceu com a Troller. Mas quando chegou a vez da Fiat, os benefícios passaram a valer também em compras de fabricantes de autopeças. Em Pernambuco, a Fiat adquiriu a TCA, uma antiga fabricante de chicotes elétricos que estava em dificuldades financeiras.

Em Goiana (PE), o grupo Fiat Chrysler ergueu uma das suas mais modernas fábricas do mundo. O produção acelerou e, em março, quando a empresa anunciou a criação do terceiro turno durante cerimônia em que Temer se comprometeu a prorrogar o regime de incentivos para Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Há poucos dias a montadora anunciou mais investimentos na unidade pernambucana. Além da Fiat, em Pernambuco, e da Ford na Bahia e Ceará, o regime automotivo para essas regiões beneficiou também a Mitsubishi e Hyundai- CAOA, em Goiás.

Fonte: Valor Econômico

Compartilhe

Receba nossa Newsletter

Outras Notícias