BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
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BPO - Batista Pereira & Oliveira

Em 10 de janeiro, foi publicada a Lei 13.606/2018, que instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), abarcando a contribuição do empregador rural, pessoa física, destinada à seguridade social e a contribuição devida à seguridade social pelo empregador, pessoa jurídica, que se dedique à produção rural, previstas respectivamente no artigo 25, da Lei 8.212/91 e artigo 25 da Lei 8.870/94.

Atualmente, muito se discute sobre os artigos 20-A, 20-B, 20-C e 20-E da Lei 10.522/02, alterada pela lei em comento, principalmente no que toca à averbação pré-executória prevista no artigo 20-B, II.

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis”.

Referido dispositivo dispõe que, após a inscrição do crédito em dívida ativa da União, o não pagamento em até cinco dias, a contar da notificação, poderá acarretar em averbação da certidão de dívida ativa, por meio de anotação em órgãos de registros de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

Em defesa do instituto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional[1] aduz, em síntese, que este tem a finalidade de: dar publicidade a terceiros da existência de débitos inscritos em dívida ativa, bem como impedir o devedor de se desfazer do patrimônio, e, por conseguinte, prevenir prejuízo decorrente da desconstituição da cadeia sucessível, cuja causa não se poderia exigir de terceiros e quartos de boa-fé.

Nesse sentir, alega-se tratar pura e simplesmente da materialização da garantia do crédito tributário, conforme previsão do artigo 185 do Código Tributário Nacional, onde “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”.

Na visão da Procuradoria, também não se estaria a afrontar o direito de propriedade, pois esse direito, além de não ser absoluto, é o que responde por dívidas, ficando, de todo modo, assegurado o contraditório e a ampla defesa aos contribuintes através do processo administrativo.

Assim, com a aplicação da averbação prévia, o ajuizamento da execução fiscal ficaria condicionado à demonstração de sua potencialidade mínima de satisfação ao crédito fazendário, conforme determinação do artigo 20-C da Lei 10.522/02[2].

Não obstante, a Procuradoria reconhece que a disciplina do artigo 20-B é insuficiente para assegurar a adequada aplicação do dispositivo, de forma a justificar a previsão do artigo 20-E, que determina a regularização da averbação prévia através de atos complementares a serem editados pela PGFN, concretizada pela Portaria PGFN 33/2018, publicada em 9 de fevereiro de 2018.

De forma geral, concluiu que as inovações trazidas são preceitos que regem a política institucionalizada na PGFN quanto à redução da litigiosidade, atuação racional e respeitosa aos precedentes e aos direitos reconhecidos judicialmente aos contribuintes, tudo isso em atenção a Portaria PGFN 294/2010, aprimorada pela Portaria PGFN 502/2016.

Todavia, não é esse o nosso entendimento. Pois, além de ser patente a inconstitucionalidade do instituto em âmbito administrativo, vê-se a potencialização do poder unilateral da Fazenda Pública em detrimento do patrimônio do contribuinte.

Salienta-se que, apesar dos interesses entre o Fisco e o contribuinte parecerem sempre divergir, na realidade, poderiam convergir se as propostas fossem razoáveis para ambas as partes.

A falta de razoabilidade e ponderação do instituto aqui estudado é facialmente demonstrável com o simples e significativo comentário encontrado na redação, inteiro teor, do Projeto de Lei 7.630/2017 — idêntica ao descrito no artigo 20-b, parágrafo 3, II, da Lei 10.522 — senão, vejamos:

“Art. 3º. A Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos 20-B, 20-C, 20-D, 20-E, 20-F, 20-G e 20-H:

Art. 20-B. II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos registros de bens móveis ou imóveis sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis” (transcrição na íntegra de comentário extraída do texto do projeto).

Se a finalidade da averbação prévia é dar publicidade a terceiros da existência de débitos inscritos em dívida ativa, bem como tentar impedir o devedor do desfazimento de seu patrimônio e as consequências daí advindas, queremos relembrar a aprovação recente, inclusive considerada constitucional pelo STF, da possibilidade de realização de protesto da Certidão de Dívida Ativa, pela via administrativa, o qual cumpre as finalidades que aqui se alegam.

Igualmente, a previsão do artigo 20-B, II, da Lei 10.522/02 não concretiza a previsão do artigo 185 do CTN, pois vai além da descrição desta norma e, mais, é incoerente com o próprio parágrafo único deste artigo e com a previsão da alínea ‘A’ do artigo 185, todos do CTN, vejamos:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.

Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

A leitura isolada do artigo 185 do CTN pode levar à conclusão de que assiste razão à Procuradoria, mas é deixada a margem quando analisada em conjunto com os artigos que se seguem (parágrafo único do artigo 185 e 185-A, do CTN). Não nos esqueçamos da importância da interpretação sistêmica da norma, a qual zela pela aplicação dada aos enunciados e seus sentidos, sem rejeição da validade de outras de mesma hierarquia, preservando-se, assim, a harmonização do sistema “normativo” tributário como um todo — o que não ocorre no presente caso.

Em termos práticos, ou o contribuinte terá de impetrar mandado de segurança para liberação do bem pré-averbado, o qual ficará indisponível até que sobrevenha decisão judicial favorável, ou deverá impugnar a pré-averbação em procedimento administrativo, nos termos da Portaria PGFN 33/2018. Ou seja, não está se diminuindo a litigiosidade, pois ela se manifestará por outras vias.

Sobre os procedimentos administrativos previstos na Portaria PGFN 33/2018, ressaltamos o tempo gasto com eles, pois, conforme o artigo 20-B, inciso II, da Lei 10.522/02, após a inscrição do crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado, em até cinco dias, para efetuar o pagamento. Mas, caso não o realize, haverá averbação do bem e, por conseguinte, o encaminhamento de nova notificação para apresentação de impugnação no prazo de 10 dias (artigo 25 da portaria). Assim, passaram-se 15 dias, mas não é tudo, o contribuinte terá de somar mais 30 dias, contados do primeiro dia útil após o protocolo da impugnação, para aguardar a avaliação da Procuradoria-Geral sobre o seu deferimento ou não (artigo 28, parágrafo 1º).

Ou seja, realmente “uma dívida pode bloquear toda a capacidade de negociação dos bens, sem diferenciar estágios de gravidade”[3], sem contar no tempo gasto pelo contribuinte para tentar cancelar a anotação do patrimônio averbado — cuja realização pode se dar independentemente de ter ou não outros bens a oferecer, sobre a presunção de fraude a execução, o qual este pode nunca ter cogitado realizar — devendo passar por procedimento que pode durar até 45 dias até o pronunciamento da PGFN, isso se o pedido for deferido, caso contrário, terá de recorrer ainda ao Poder Judiciário.

E, mesmo que se queira apresentar outros bens antecipadamente em garantia à execução fiscal, o contribuinte também deverá aguardar 30 dias para avaliação da PGFN conforme artigo 11, parágrafo 1º desta mesma portaria. Sendo o mesmo resultado para o procedimento de revisão da dívida inscrita (artigo 17, parágrafo 1º)[4].

Já com relação à suposta alegação de obediência ao contraditório e à ampla defesa, insta salientar que a CDA não goza de autoexecutoriedade administrativa. Desse modo, é indispensável que o processamento da execução da CDA seja realizado perante o Poder Judiciário. Isso porque a atuação da administração pública fica restrita ao descrito em lei, cuja previsão inexiste para realização de execução por outra via que não a judicial.

Essa exigência decorre não somente da garantia da inafastabilidade de jurisdição, prevista no artigo 5º, XXXV, da CF/88, mas do devido processo legal e do próprio direito de propriedade, cuja previsão consta respectivamente no artigo 5º, LV e LIV, da CF/88.

Sobre estes dois últimos princípios, salientamos que, apesar do direito de propriedade realmente não ser absoluto, deve-se levar em consideração a determinação do artigo 5, LIV, CF, na medida em que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Importante ressaltar sobre a impossibilidade de se equiparar a averbação premonitória prevista no artigo 828 do Código de Processo Civil com a pré-averbação. Pois a primeira, além de não tornar indisponível o patrimônio do devedor, também exige a prévia admissão da execução pelo Judiciário, bem diferente desse novo instituto defendido pela PGFN.

Ademais, o dispositivo se mostra tão incoerente com a Constituição Federal que foi objeto não de uma, mas de três ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, através das ADIs 5.881, 5.886 e 5.890, de relatoria do ministro Marco Aurélio.

Demais a mais, em 19 de fevereiro (nove dias após a publicação da Lei 13.606/2018), já houve deferimento de liminar no Mandado de Segurança 5001250-64.2018.4.03.6100, em trâmite na 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, contra medida de averbação pré-executória realizada pela PGFN, a qual viabilizou a indisponibilidade de bens antes mesmo da execução fiscal.

Ao fim, conclui-se que o Fisco, no seu afã arrecadatório, tenta convencer os contribuintes e a sociedade de que a medida respeita precedentes e reconhece direitos, mas como bem disse Montesquieu: “Todo homem investido de poder é tentado a abusar dele”. No presente caso, por certo, seria melhor que não os tivesse.


[1] BARROS, Felipe Aguiar de. e XAVIER, Daniel de Sabia. Averbação pré-executória. Valor Econômico. Legislação & tributos/SP, opinião jurídica, publicado em 20 de fevereiro de 2018.
[2] NOLASCO, Rita Dias. e CAMPOS, Rogério. Averbação pré-executória prevista na Lei 13.606/2018 é legítima. Publicada em 5/2/2018 e disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-fev-05/opiniao-averbacao-pre-executoria-prevista-lei-13606-legitima> visualizado em 7/3/2018.
[3] Projeto de Lei 7.630/2017, inteiro teor, disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2137476> acesso em 7/3/2018.
[4] Art. 17. O Pedido de Revisão de Divida Inscrita deverá ser protocolado exclusivamente pelo e-CAC da PGFN e será recebido na unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional responsável pela inscrição, a quem competirá sua apreciação. § 1º. O PRDI será analisado no prazo de 30 (trinta) dias contados do primeiro dia útil após o seu protocolo no e-CAC da PGFN.

Autores: 

Por Carla Beux e Lummy Masaki

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