A 123 Milhas teve pedido de recuperação judicial deferido nesta quinta-feira, 31. A causa chama atenção por ter valor de mais de R$ 2 bilhões e mais de 700 mil credores, sendo a grande maioria consumidores. Decisão é da juíza de Direito Claudia Helena Batista, da 1ª vara Empresarial de Belo Horizonte/MG.

Ao deferir o pedido, a julgadora ressaltou que embora não seja a primeira crise na área de transporte aéreo e turismo, e nem a maior recuperação do país em volume de credores ou valores, trata-se de uma empresa do e-commerce com trajetória de crescimento forte e rápida em pouco tempo.

A inicial menciona uma média de cinco milhões de clientes por ano e movimentação financeira de mais de R$ 5 bilhões em 2022.

Para a juíza, com o volume de credores, ações e desequilíbrio que a quebra de confiança causou é preciso racionalizar as ações, uma vez que a pulverização e a individualização podem não corresponder a satisfação do crédito e o sentimento de frustração e injustiça.

“Chama a atenção no presente caso a relação de credores que num cálculo inicial e aproximado ultrapassa 700 mil pessoas. A grande maioria consumidores. O ordenamento jurídico brasileiro confere especial atenção ao direito do consumidor e dentro do sistema reserva normas de ordem pública que podem e devem conversar com o sistema recuperacional.”

Ao concluir, a magistrada destacou que as empresas recuperandas merecem ter preservado o exercício de suas atividades empresariais, a fim de que possam continuar a cumprir a função social que lhes incumbe.

“Tem a seu favor o preenchimento dos critérios objetivos previstos na legislação e a presunção da boa-fé de que seu objetivo é equacionar os débitos e solver seus compromissos inadimplidos da melhor forma possível. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário utilizará dos meios necessários para promover a transparência e fazer Justiça a todos os consumidores e credores atingidos pela crise da empresa.”

Assim, deferiu o pedido de processamento da recuperação judicial e ordenou a suspensão, por 180 dias, de todas as ações e execuções contra a sociedade devedora.

  • Processo: 5194147-26.2023.8.13.0024

Veja a decisão.

 

Análise

Acerca do tema, Migalhas ouviu dois especialistas. André Santa Cruz, sócio-fundador do escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia, explica que há uma enorme quantidade de credores da 123 Milhas que são consumidores, o que pode fazer com que surjam decisões aplicando o que se convencionou chamar de teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica: “mesmo sem prova de abuso ou fraude, juízes podem redirecionar as dívidas contra os sócios da empresa.”

Além disso, o profissional destaca que a maioria dos credores da 123 Milhas, que são os consumidores que compraram passagens e pacotes de viagem, entram na classe dos credores quirografários, que costumam ser os mais penalizados nesses processos de insolvência empresarial.

O advogado e professor Marcelo Sacramone, por sua vez, pondera que todos os créditos em face da 123 Milhas serão sujeitos ao plano de recuperação judicial.

“Os sócios da 123 não têm, a princípio, suas relações jurídicas afetadas pela recuperação da pessoa jurídica. Logo, por essa regra, as relações jurídicas continuarão a ser reservadas por cada microssistema em face desses, como pelo Direito do Trabalho em relação aos empregados e pelo CDC.”

Ele salienta, ainda, que nesses microssistemas, se houver previsão de responsabilidade dos sócios pelo inadimplemento da obrigação contratada, como há no CDC, esses consumidores poderão continuar a demandar normalmente em face dos referidos sócios pela eventual falta de entrega da prestação contratada, caso isso ocorra.

 

Fonte: Migalhas.com

 

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