O “software importado”, para fins do disposto no parágrafo 2º do artigo 10 da Lei 10.833/2003, é aquele desenvolvido fora do país e para cá “trazido” por qualquer meio, seja em um suporte físico, seja por meio de download pela internet.

Com esse entendimento, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por maioria, decidiu que sendo o software concebido no exterior e licenciado a uma sociedade brasileira (que posteriormente o comercializa, sublicencia ou cede no Brasil), há a sua importação, impondo, com isso, o dever de que as receitas auferidas com a sua exploração sejam tributadas no regime não cumulativo da PIS/Cofins, que tem alíquota de 9,25%. Com isso, afastaram a aplicação do cumulativo, em que se paga 3,65%.

No caso, o Carf analisou o contrato de uma companhia com a Microsoft para a distribuição de licença de uso de programas a consumidores brasileiros. Os clientes adquiriam uma chave de acesso e faziam o download diretamente na plataforma da Microsoft.

O cerne da discussão é que o artigo 10º, inciso XXV, da Lei 10.833/2003 define que as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes de atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso ficam sujeitas ao regime cumulativo — que tem alíquota mais baixa. Porém, o parágrafo 2º estabelece que “o disposto no inciso XXV não alcança a comercialização, licenciamento ou cessão de direito de uso de software importado”.

Segundo a empresa, o direito de distribuir a licença de uso do software não pode ser considerado nem como uma importação de bens (pela ausência de desembaraço aduaneiro) e nem como serviços provenientes do exterior (ausência de personalização), de acordo com o Direito Aduaneiro.

O conselheiro Arnaldo Diefenthaeler Dornelles, redator do voto vencedor, afirmou que não deve ser aplicado ao caso o Direito Aduaneiro, uma vez que esse trata da importação de mercadoria, coisa que o software, em princípio, não é. Por se tratar de bem incorpóreo, o software não precisa ser declarado para a Aduana, não possuindo, sequer, classificação fiscal a ele associada. Dessa forma, não há que se falar em “importação física” de software.

Além disso, Dornelles ressaltou que o citado inciso XXV estabelece que o regime cumulativo das contribuições permanece aplicável apenas para as receitas auferidas em razão do licenciamento ou cessão de direito de uso de software comercializado pela própria empresa de serviços de informática que o desenvolve, hipótese que não se aplicaria ao caso analisado.

Ele concluiu que as receitas auferidas pela empresa com a comercialização do direito de uso (licenciamento) de software desenvolvido por terceira empresa localizada no estrangeiro devem se submeter ao regime não cumulativo das contribuições.

Para especialistas ouvido pela ConJur, a decisão pode gerar impacto negativo no setor, tornando mais oneroso o acesso a softwares, e pode levar a ampliação indevida do conceito de importação. Porém, destacam que ainda é uma decisão isolada, sem efeito vinculante.

Tales de Almeida Rodrigues, coordenador tributário do Nelson Wilians Advogados, disse que, apesar de ser um entendimento isolado no âmbito do Carf, a decisão gera incômodo, pois equipara o download e acesso a um programa eletrônico desenvolvido no exterior, mediante a concessão de licença ou cessão de direito de uso, a uma transferência física de bens, que circula entre países (importação).

O especialista destacou que pode ser feito um paralelo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, o programa baixado e/ou acessado, mediante contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, não representa fato gerador de ICMS, para fins de caracterizar circulação de mercadoria.

“A mesma lógica pode ser aplicada ao software desenvolvido no exterior, pois o download e acesso do programa não pode representar transferência, mediante nacionalização, de um bem para o país. A equiparação ou ampliação do significado de importação vai na contramão desse precedente”, destacou.

De acordo com o tributarista Douglas Guidini Odorizzi, sócio do Dias de Souza Advogados, há elementos que autorizam o raciocínio de que a importação só estaria presente no caso de nacionalização de bem que tenha nele integrado um software. Isso é comum em aparelhos (hardware) já integrados com os programas (“software residente”).

Entendimento contrário, tal qual aquele adotado na recente decisão do Carf, implica considerar que todo e qualquer software que tenha sido desenvolvido no exterior e licenciado a cessionário no Brasil e por este comercializado, sublicenciado ou cedido gere receitas que devam ser tributadas no regime não cumulativo, o que é discutível para a generalidade das situações.

“Ainda mais porque, na prática, é comum haver a licença de softwares estrangeiros e a sua comercialização, licenciamento ou cessão internamente se dar com a agregação local de valores, mediante configuração, customização e outros, dificultando a identificação e classificação como meramente importados ou não, perplexidade que só justifica interpretar a legislação considerando as situações imaginadas como diversas”, concluiu.

Hugo Schneider Côgo, sócio-coordenador da área tributária do SGMP Advogados, pontuou que a interpretação adotada pelo Carf estabelece uma presunção de importação de software que não possui respaldo legal expresso e, ainda, compreende que apenas a receita auferida com o licenciamento ou a cessão de direito de uso de software de desenvolvimento próprio estaria sujeita ao regime cumulativo das contribuições, embora a própria lei não distinga o desenvolvedor.

Para ele o acórdão representa um primeiro sinal negativo por parte desse órgão, mas é importante destacar que não se trata de um julgamento vinculante, isto é, a Receita Federal e os demais contribuintes não estão obrigados a seguir o entendimento formado, que é controverso.

Por fim, o advogado tributarista Breno de Paula afirmou que a decisão não foi correta e sua aplicação acarretará uma grande elevação da carga tributária para o referido setor de serviços. “Como se sabe, os prestadores de serviços não exercem atividade econômica com organização dos fatores de produção. Diante disso, não adquirem insumos tributados para fazer face a um aumento imediato da alíquota na forma proposta (de 3,65% para 9,25%), e podem ter dificuldades em repassar imediatamente o novo tributo aos clientes, especialmente em relação aos contratos já firmados.”

Voto vencido
O relator Laércio Cruz Uliana Junior, ao elaborar o voto vencido, entendeu que a exceção de aplicação do regime cumulativo das contribuições só alcança os casos em que ocorra a “importação física” do software, sendo pressuposta a existência de nacionalização do produto para que seja considerado importado.

“Quando a legislação impõe que se tribute qualquer fato que tenha ocorrido no exterior, ela não utiliza a expressão importação, mas sim, algo que redunde a aquisição no exterior. Assim, é evidente que a expressão ‘software importado’, tem o condão de atribuir o regime de tributação ao software importado e declarado na aduana, e não software que teve seu download, nuvem e/ou streaming”, defendeu.

Por Ana Luisa Saliba

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13864.720156/2016-68

Fonte: Conjur

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