Quem fez compras da China nos últimos meses deve ter percebido um atraso nas entregas das encomendas. Mas o que está por trás disso?

A situação se deve aos lockdowns impostos em cidades portuárias —como Xangai, Hong Kong e Shenzhen— por causa da covid-19. No caso de alguns produtos, também há relação com a invasão da Ucrânia pela Rússia (veja abaixo)

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o cenário atual reflete ainda uma desaceleração da economia chinesa e evidencia gargalos em cadeias mundiais de produção, já que muitos produtos são montados ou fabricados, pelo menos em parte, na China.

Navios parados

Só em Xangai há cerca de 350 navios porta-contêineres aguardando para atracar no porto, segundo dois especialistas ouvidos pela reportagem. Em uma situação normal, o número gira em torno de 30 embarcações.

A chefe de economia na Rico, Rachel Borges de Sá, diz que, no começo da pandemia, a imposição de lockdown ocorreu de forma localizada, como em Wuhan, considerada o epicentro da doença. Porém agora a restrição de circulação também foi decretada em cidades grandes, inclusive na capital chinesa, Pequim.

“As restrições na China estão muito mais rígidas agora do que no começo da pandemia. Se você pega covid vai para um centro do governo e tem que ficar 15 dias isolado. Imagina para um caminhoneiro? Daí não tem mão de obra para levar o caminhão. Além disso, as estradas estão parcialmente fechadas [devido ao lockdown]. Então, você começa a acumular mercadoria em vários pontos da China. É um efeito dominó”, avalia Rachel.

Além dos caminhoneiros, trabalhadores das indústrias e dos portos não podem circular.

Problema desde o início da pandemia

O atraso na entrega de mercadorias é global e vem ocorrendo desde o início da pandemia, em 2020, lembra o professor e diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, doutor em engenharia de Produção.

“Isso já vinha acontecendo e agora se agravou com essa nova fase do lockdown na China, que teve um aumento de mais de 30% no número de navios aguardando em Xangai para sair ou atracar”, afirma Quintella.

“Os lockdowns pioraram muito a cadeia logística de suprimento global. Em torno de 20% da frota mundial de contêineres está presa nos portos da China” Marcus Quintella.

Sem conseguir escoar a produção, a tendência é de aumento de preços, afirma a chefe de Economia da Rico. “Não tem muito para onde fugir, tudo está aumentando, e é no mundo inteiro”, diz Rachel.

Por que os preços estavam subindo?

Os preços já vinham subindo devido à elevação nos valores dos fretes dos contêineres para a rota China-Brasil. Antes da pandemia, o custo girava em torno de US$ 2.000 (R$ 9.600). No auge da pandemia, chegou a custar US$ 12 mil (R$ 58 mil) para um contêiner de 40 pés (cerca de 12 metros de comprimento). “Isso pune muito o comércio exterior brasileiro”, diz Quintella.

Agora deu uma reduzida. Segundo o UOL apurou, o valor atual do frete de um contêiner gira entre US$ 7 mil a US$ 8 mil (R$ 34 mil a R$ 38 mil).

O valor elevado pode ter relação com a baixa representatividade do Brasil no comércio internacional de contêineres, que fica em torno de 1%, segundo Quintella.


“A gente importa da China muito mais do que exporta, então, quando acontece isso, dá uma distorção no fluxo. Vem para cá cheio e vai voltar vazio. Isso não interessa para ninguém”, diz o diretor da FGV Transportes.

Segundo ele, quando o vendedor manda uma carga, ele quer pegar outra para voltar. Como isso não acontece, o Brasil é afetado num momento de crise. A tendência é o navio ir primeiro para a Europa e para os Estados Unidos, ou para portos em outros países em que vai cheio e volta cheio ou quase cheio, onde há um comércio bilateral mais importante que o nosso.

Espera maior para embarcar.

As linhas de navegação não têm uma frequência tão grande entre China e Brasil, explica Ricardo Propheta, CEO da BRZ Investimentos.

“Esses fechamentos de regiões portuárias acabam fazendo com que muitas cargas que deveriam sair em determinados dias acabem não embarcando. E as linhas de navegação não são como pontes aéreas, com viagens diárias. As linhas de navegação têm periodicidade semanal, quinzenal.”

Guerra Rússia x Ucrânia

O atraso de entrega de produtos da China também pode ter relação com a invasão da Ucrânia pela Rússia. O país governado por Vladimir Putin está entre os maiores exportadores de alumínio —utilizado em diversos eletrônicos.

Além disso, a Rússia é um dos maiores produtores de paládio, cobre e níquel. O paládio, por exemplo, é utilizado em componentes de memória e sensores. O níquel é matéria-prima para a fabricação de baterias e ligas metálicas.

A normalização nos portos chineses não deve ser resolvida em curto prazo. O economista e professor da PUC-RS (Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) Gustavo Inácio de Moraes, estima em seis meses.

Rachel de Sá, baseada em dados de especialistas na área, afirma que só deve ocorrer na metade do próximo ano. Ricardo Propheta também estima uma melhoria no cenário só em 2023. Porém, isso depende da melhoria nas condições sanitárias na China.

Sinais de desaceleração na economia na China

Para o professor da PUC-RS, os atrasos na entrega de mercadorias da China evidenciam uma desaceleração da economia chinesa. Um dos sinais da retração econômica foi o recente corte nos juros, lembra o professor da PUC-RS.

“Esse corte na taxa de juros já demonstra que as preocupações no Banco Central da China estão grandes em relação à atividade econômica. A China já dava sinais [de retração], mas eram bem tênues. Aparentemente isso se acelerou, o que acaba colaborando para as dificuldades logísticas que a gente vê.”

Fonte: economia uol

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