Com a aquisição, Lenita Ruschel receberá aluguel proporcional. Propriedades digitalizadas são novidade no país. Iniciativa não exige financiamento e promete facilitar acesso à aquisição da casa própria ou a imóveis como investimento.
Há cinco décadas à frente de uma escola de ballet em Porto Alegre, Lenita Ruschel, de 82 anos, conta que procurava um imóvel para comprar e alugá-lo. No entanto, não tinha todo o valor e não pretendia fazer um financiamento. Foi então que surgiu a proposta de uma imobiliária: por que você não compra parte do imóvel e recebe um aluguel proporcional?
“Eu conhecia algumas pessoas na imobiliária que são de minha confiança e elas me explicaram como funcionava. Dá a oportunidade das pessoas comprarem pelo menos uma parte se não puderem comprar tudo e já saírem ganhando sem se endividar. Aceitei na hora. Conversamos em um dia e, no outro, já fechamos o negócio”, conta Lenita, que deseja comprar o restante do imóvel futuramente.
Foi assim que Lenita se tornou a primeira pessoa no Brasil a ter a propriedade digital de um imóvel. O negócio foi formalizado na manhã desta sexta-feira (22) na capital do Rio Grande do Sul.
A aquisição de 20% de um apartamento no edifício Praça Nilo, localizado no bairro Petrópolis, foi feita através de NFT – “non fungible token” em inglês, ou token não fungível. É uma espécie de selo de autenticidade digital. O selo pode ser usado para itens físicos ou digitais.
O imóvel é um single, com quarto, sala, cozinha e banheiro. Lenita mora na região e gostou do prédio espelhado. O pagamento foi feito via PIX, o sistema nacional de transferência instantânea de recursos entre correntistas. Com a aquisição, ela passou a ter direito a 20% do valor de locação, sendo que essa participação poderá aumentar se ela comprar mais partes do imóvel.
“Quem se interessar por um imóvel não precisa comprar e pagar tudo de uma vez ou financiar uma parte. A proposta é que os interessados adquiram parte do imóvel e, com o tempo, o restante”, explica Andreas Blazoudakis, responsável pela Netspaces, empresa de tecnologia para mercado imobiliário que lançou a iniciativa no Brasil.
A empresa, escolhida para ser parceira da iniciativa, já digitalizou 30 propriedades de clientes em Porto Alegre.
O que é
A plataforma Imovelweb, focada na negociação de imóveis para aluguel e aquisição, se juntou com a Netspaces para lançar os primeiros imóveis digitalizados do Brasil.
Na prática, o imóvel e a sua escritura são ligados a um token criptografado que usa como base a tecnologia blockchain, a mesma das criptomoedas. É esse token que é comercializado.
Quando alguém compra o token, fica registrado que essa pessoa é a proprietária do imóvel. O registro também é feito em cartório, do modo tradicional, de forma a dar segurança para o comprador.
A diferença em relação ao modo tradicional para compra de imóveis é que, com a digitalização das propriedades, é possível comprar o token todo e ser a pessoa proprietária do imóvel ou comprar frações, investindo menos dinheiro, se tornando dono de uma parte e recebendo aluguel proporcional, por exemplo.
Nessa modalidade, não há financiamento e nem juros cobrados. A transmissão do nome na escritura e matrícula do imóvel só é feita quando a quitação for completa, assim como é em um financiamento imobiliário.
A vantagem em relação ao financiamento é que é possível ir quitando conforme o dinheiro entra e não necessariamente seguir o cronograma de parcelas de um banco. Ainda, se o imóvel valorizar, quem detém o token ou frações dele se beneficia quando for vender para outras pessoas, assim como é no mercado tradicional.
Morar ou locar: como funciona
O comprador precisa adquirir pelo menos 20% do token, que é o que representa o imóvel. Frações de um mesmo token não serão vendidas para mais de uma pessoa. A tecnologia permite isso, mas, como se trata de uma novidade, o objetivo, agora, é familiarizar o público em relação à digitalização de imóveis. Então, a Netspaces permite apenas um comprador para cada uma das frações do imóvel.
Para aqueles que escolhem, no ato da compra, morar no local, o pagamento mensal de aluguel é feito com base nos 80% restantes. A Netspaces reúne imobiliárias que ficam responsáveis por essa gestão.
Após o período de um ano de contrato, é possível comprar mais que os 20% iniciais. À medida que o morador adquire mais participação, a tendência é que o aluguel fique mais baixo, afinal, é como se ele estivesse pagando aluguel para si mesmo.
Para os compradores que decidirem pela locação do apartamento, só é possível alternar para moradia após o fim do contrato firmado com o locatário.
No caso da dona Lenita, considerando que o aluguel cobrado será de 0,5% sobre o valor da propriedade, que é de R$ 700 mil (taxa estimada pela Netspaces), o aluguel será de R$ 3,5 mil por mês, fora as taxas de condomínio do prédio e IPTU.
Como ela começa como dona de até 20%, ela recebe 20% do aluguel mensalmente, ou seja, R$ 700. Se ela fosse a moradora, poderia abater esse valor do aluguel, pagando R$ 2,8 mil mensais.
Em dez anos, se o comprador não se tornar dono de pelo menos 50% do imóvel, o proprietário original dos 80% passa a ter o direito de compra. Nos próximos quinze anos, é necessário deter, pelo menos, 75% imóvel e, em 20 anos, 100%.
“O comprador nunca perde a propriedade, mas sim o direito de compra. Se quiser permanecer com 20% de vários imóveis, é possível. O que acontece é a perda dessa autonomia. No entanto, vai continuar recebendo os alugueis”, explica Blazoudakis.