BPO - Batista Pereira & Oliveira - Advogados e Associados
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O fundador do Grupo Boticário, um gigante com faturamento de cerca de R$ 15 bilhões, conta com exclusividade ao NeoFeed os bastidores do trabalho para produzir três unidades de um perfume descontinuado há 20 anos para uma mãe que perdeu o filho para a Covid-19

Uma carta escrita à mão, datada de 18 de abril, circulou nas redes sociais e foi compartilhada por milhares de perfis. O texto, endereçado a Wanda Terra, uma artista plástica de 76 anos, moradora de Angra dos Reis (RJ), que havia perdido o filho Alexandre Terra para a Covid-19, era assinado por Miguel Krigsner, o discreto fundador e dono do Grupo Boticário.

O bilhete trazia a mensagem de que algumas unidades do perfume Annete haviam sido feitas especialmente para ela. O motivo, depois revelado, era porque O Boticário havia recebido uma mensagem em sua rede social relatando que Wanda usava esse perfume e seu filho sempre dizia que aquele era o cheiro de mãe. A mensagem de uma parente de Wanda apelava para que a marca a ajudasse.

Mas o perfume não era mais vendido. O Annete já estava fora do mercado há mais de duas décadas – ele foi lançado em 1984 e sua produção encerrada em 1998. Krigsner, tocado pela mensagem, ainda mais porque Annete foi uma fragrância criada em homenagem a sua primeira filha chamada Annete, resolveu entrar em ação.

Ele destacou uma equipe para focar na produção e desenvolvimento. “Precisávamos de velocidade para atender, não dava para demorar meio ano”, diz Krigsner em entrevista exclusiva ao NeoFeed. Os funcionários escolhidos para a tarefa, afirma ele, se engajaram imediatamente. “Foi um trabalho artesanal feito por uma equipe acostumada com grandes volumes.”

O empresário detalhou todos os bastidores do trabalho ao NeoFeed. A atitude de Krigsner ganhou ainda mais holofote por se tratar da ação de uma empresa do porte de O Boticário que tem produção em larga escala. No ano passado, por exemplo, foram vendidas 14 milhões de unidades do perfume Malbec, um dos sucessos da empresa.

Não é, portanto, trivial destacar uma equipe envolvida com números superlativos para produzir apenas três unidades. Krigsner diz que um time ficou concentrado no líquido e o outro no desenvolvimento da embalagem. “A própria essência você precisa resgatar e são coisas difíceis para um pequeno volume. Mas, em menos de 30 dias, o perfume estava pronto e a embalagem produzida”, afirma o empresário.

A operação de guerra, montada para “devolver” a memória olfativa que conectava ainda mais a mãe ao filho, não era para ser divulgada, mas Krigsner diz que, de tanta gente compartilhar, acabou vazando. O fundador do Grupo Boticário afirma ainda que não esperava tamanha repercussão.

“Hoje em dia estamos vivendo uma carência tão grande, um momento tão difícil em todos os sentidos, uma falta de abraço, de carinho, de aconchego, que parece que essa carta foi um veículo de amor”, diz Krigsner, emocionado, ao analisar o fato. E vem também em um momento que o País precisa de histórias como essa.

“Temos 400 mil mortos atualmente. Quando se começa a falar em números, às vezes, você perde a noção que são 400 mil vidas que se foram e entes que perderam mães, pais, avós, filhos, amigos. Na hora que você vê o tamanho desse número, realmente fica assustador”, afirma Krigsner, sobre a pandemia que está matando milhares de pessoas diariamente.

A carta, que circulou, foi escrita na casa de Krigsner, em Bragança Paulista, cidade no interior de São Paulo. Ele estava ao lado da filha, Annete, a quem chama de Anne, no momento em que decidiu colocar no papel a mensagem que seria enviada para Dona Wanda.

“Falei para minha filha que eu queria escrever uma carta de próprio punho e desejava que ela estivesse do meu lado”, diz Krigsner. E revela. “Eu tenho uma letra horrível, que nem médico entende. Então, ela decidiu escrever em letra de forma e eu assinei. No final, olhamos a carta e dissemos: ‘que bacana, estamos transmitindo um amor grande no que estamos fazendo’.”

Num momento em que o propósito é mais falado do que nunca e torna-se moeda de valor na atração de talentos e combustível para os funcionários, a atitude do empresário acabou servindo de inspiração para o exército de 12 mil funcionários diretos e os outros 40 mil funcionários indiretos que trabalham nas 4 mil lojas do grupo.

“É uma empresa de valores muito fortes, muito humana e eles têm essa postura. Quando esse tipo de coisa conversa com a cultura e os valores, acaba fortalecendo a cultura e os valores. E serve de exemplo para a organização, para mostrar que é uma empresa que, efetivamente, é humana e tem uma relação emocional com as pessoas”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail.

Com marcas como O Boticário, Eudora, quem disse, berenice?, BeautyBox, Multi B, Vult, Eume, O.u.i. e Beleza na Web, o grupo apresentou um faturamento de R$ 14,9 bilhões, em 2019, o número mais recente disponível. Krigsner, que hoje ocupa a presidência do conselho da empresa que fundou em Curitiba, em 1977, é o responsável por permear a cultura.

“Hoje, cuido mais das questões estratégicas e macro”, afirma. E ressalta que, pela primeira vez na história, a companhia está sendo administrada por um CEO que não é da família. Trata-se de Fernando Modé, até então vice-presidente corporativo, que assumiu o posto no lugar de Artur Grynbaum, que se tornou vice-presidente do conselho de administração.

Indagado se deseja partir para uma abertura de capital, Krigsner descarta totalmente essa possibilidade. Por enquanto, seus esforços estão concentrados no Brasil, “onde há várias oportunidades”, mas não descarta intensificar a expansão internacional. “Mas esse é um processo mais lento, leva mais tempo e consome mais dinheiro”, afirma.

Apesar de não estar no operacional do dia a dia, o empresário ainda mantém alguns costumes de quando fundou a companhia. “Tem algumas coisas que gosto de fazer. Uma delas é a avaliação de fragrâncias. Isso aí ninguém me tira”, afirma.

Ele diz que tem um olfato treinado para saber diferenciar o que é bom e o que é ruim. E, claro, entende que tipo de direções olfativas funciona melhor com o público brasileiro.

Para as mulheres, perfumes mais frescos, de boa fixação, florais e leves. Para os homens, fragrâncias mais amadeiradas de grande fixação. “O público brasileiro está cada vez mais preparado, com gosto mais apurado. Não é qualquer lavanda ou água de cheiro que satisfaz.”

Krigsner também gosta de visitar lojas, ter contato com os franqueados, conversar com os jovens e pensar em produtos. “Uma empresa como a nossa tem de estar o tempo inteiro inovando. A inovação é importante e não só na área de fragrâncias.”

Mas a inovação, com o perdão do trocadilho, não implica na perda da essência. “Uma empresa como a nossa está ligada as questões emocionais, tem um papel importantíssimo de colaborar com a autoestima das pessoas”, afirma.

Numa época em que dez entre dez empresas de grande porte alardeiam seus algoritmos e os vultosos investimentos em inteligência artificial, Krigsner destoa. “Temos um lado que foge um pouco das questões da inteligência artificial. Eu preciso do humano, preciso do cheiro, preciso que as pessoas sintam na pele o produto.” Dona Wanda, com certeza, sentirá o cheiro, sentirá na pele e, sobretudo, no coração.

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